A Desinteligência Artificial na Saúde
- O SUPERentendente
- 28 de nov. de 2024
- 3 min de leitura
O texto anterior - bem vindos ao clube dos novos doentes - sobre a nova definição de pressão arterial normal (12x7) revela, dentre outras coisas, a constante necessidade de gerar, coletar e processar dados. Mas isso não é novidade
Em um passado não tão distante (para o caso de você ter esquecido) vivíamos a explosão do Big Data na saúde. Cada batimento cardíaco, cada consulta médica, cada resultado de exame se transformou em um ponto numa gigantesca desejada constelação de dados. A promessa era clara: quanto mais dados coletássemos, melhores seriam nossas decisões médicas. No mercado de saúde, o dado é o novo petróleo
Essa digitalização massiva da saúde trouxe benefícios inegáveis: prontuários eletrônicos, medicina baseada em evidências (ou nem tanto), estudos epidemiológicos mais precisos (ou nem tanto). Mas também criou uma pressão constante por mais dados - como vemos no caso da pressão arterial, onde uma nova categoria diagnóstica significa, essencialmente, mais pontos de dados a serem coletados, mas antes disso, mais dinheiro gasto, sem a certeza da prevenção prometida (já vimos acontecer antes).
A Inteligência Artificial e a Fome Insaciável por Dados
Agora, com o advento da IA na saúde, essa necessidade de dados atingiu um novo patamar. Os modelos de IA, especialmente os mais sofisticados como os Large Language Models (LLMs), são verdadeiros glutões por dados. Eles precisam de volumes massivos de informação para aprender e se aperfeiçoar.
Mas há um problema fundamental: na saúde, os dados não são como tweets ou fotos de gatos na internet. São informações sensíveis, reguladas, espalhadas por diferentes sistemas e, frequentemente, mal estruturadas. E essa bagunça, só para lembrar, não foi feita por computadores mas sim, por humanos!
Para um exemplo simples, pense em em um paciente que, após 15 anos com o mesmo plano de saúde, precisou mudar para outro por questões profissionais. Todo seu histórico - cada exame, cada consulta, cada medicamento prescrito - ficou preso no sistema anterior. É como se sua história médica tivesse sido apagada da noite para o dia. E a indústria farmacêutica? Bem, ela mantém registros preciosos sobre as respostas dos pacientes a medicamentos, efeitos colaterais, dosagens ideais - dados que poderiam salvar vidas se fossem compartilhados adequadamente.
O Paradoxo dos Dados na Saúde
Aqui chegamos a um paradoxo interessante: ao mesmo tempo em que criamos mais categorias diagnósticas, mais medições e mais pontos de dados (como a nova categoria de "pressão arterial elevada"), temos dificuldade em organizar e utilizar efetivamente essas informações.
Os dados estão:
Fragmentados entre diferentes sistemas e instituições
Mal estruturados ou inconsistentes
Sujeitos a diferentes regulamentações e padrões
Frequentemente inacessíveis ou incompatíveis entre si
O que observamos hoje, exemplificado pela mudança nos parâmetros de pressão arterial, é um fenômeno que poderíamos chamar de "manufatura do dado". Não se trata apenas de coletar informações existentes, mas de criar ativamente novas categorias, métricas e pontos de medição.
Esta manufatura serve a múltiplos propósitos:
Alimentar sistemas de IA cada vez mais famintos por dados
Gerar evidências para pesquisas e estudos
Criar novas categorias diagnósticas e oportunidades de tratamento
Alimentar o ciclo econômico do setor de saúde
O Futuro: Devolvam o meu dado!
À medida que avançamos na era da IA na saúde, precisamos questionar: será que a solução está realmente em gerar cada vez mais dados, ou deveríamos focar em organizar e utilizar melhor os dados que já temos?
E mais importante: não está na hora de devolver ao paciente o controle sobre seus próprios dados? Imagine um mundo onde cada pessoa possui um "passaporte digital de saúde", onde todos seus dados médicos estão organizados, acessíveis e, principalmente, sob seu controle. Onde mudar de plano de saúde não significa perder sua história médica, onde seus dados podem ser usados para treinar IAs que salvarão vidas, mas sempre com seu conhecimento e consentimento.
O caso da pressão arterial nos mostra que mais nem sempre é melhor. Talvez o verdadeiro desafio não seja criar mais categorias diagnósticas ou pontos de dados, mas sim desenvolver formas mais eficientes de utilizar as informações já disponíveis - e, principalmente, devolver ao paciente o controle sobre sua própria história médica.
O futuro da IA na saúde dependerá não apenas da quantidade de dados que podemos gerar, mas principalmente da qualidade e organização dessas informações. É hora de passar da manufatura desenfreada de dados para uma curadoria mais criteriosa e efetiva das informações em saúde, com o paciente no centro desse processo, ou estaremos sob o risco de criarmos uma DESINTELIGÊNCIA ARTIFICIAL na saúde. Aliás, outros mercados sabem muito mais sobre você. Falaremos em breve!
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